Sobre a Primavera Brasilis

Reproduzo aqui um desabafo pessoal e muito claro dos acontecimentos em São Paulo destes últimos dias, especialmente de ontem.
O autor, alguém de quem me orgulho e por quem tenho extremo respeito, preferiu não ser nomeado… pelo menos por enquanto.
As imagens são todas da Internet – clique nelas para ver a origem.

São Paulo, nesses dias, está um caos.

São 2h20 da madrugada desta sexta, 14 de junho. Acabo de chegar em casa. Ver minha esposa e meu filho é sempre uma alegria.

São Paulo, nesses dias, está um caos. Fiquei até agora há pouco, acompanhando o vereador com quem trabalho, em uma espécie de “vigília democrática”. Acompanhamos, de tarde, pela TV e pelas janelas da Câmara dos Vereadores, a evolução malfadada, das manifestações contra o aumento da tarifa do ônibus (transporte público) de São Paulo… Ao percebermos os descaminhos do processo e a reação descabida da polícia, fomos ao 78º distrito de polícia para ver se conseguíamos ajudar a reduzir os danos e garantir o mínimo de tratamento justo e cidadão dos manifestantes. Nossa ida ocorreu, pois algumas lideranças pediram ajuda. Sabemos, infelizmente, que nessas horas, nesse país, ter uma autoridade por perto, pode coibir abusos.

São Paulo, 13 de Junho de 2013

São Paulo, 13 de Junho de 2013

O Ministério Público pediu a suspensão do aumento para permitir a negociação.
Governador e Prefeito, em um pacto selado em Paris, mantiveram o aumento e repúdio aos manifestantes.
Diálogo cortado, punhos cerrados.

A tragédia era anunciada: Aumento da tarifa sem grandes justificativas, recusa por parte do Governo do Estado (Metrô e PM) e da Prefeitura (principal promotora do aumento e gestora dos ônibus e vans) em manter uma arena de diálogo com os manifestantes. Na última manifestação já houve muita confusão, portanto o diálogo seria útil. Pior, o Ministério Público pediu a suspensão do aumento para permitir a negociação. Governador e Prefeito, em um pacto selado em Paris, mantiveram o aumento e repúdio aos manifestantes. Diálogo cortado, punhos cerrados.

São Paulo, 13 de Junho de 2013

São Paulo, 13 de Junho de 2013

Óbvio que em uma manifestação de jovens, com mais de 8 mil pessoas (falaram em 10 mil…), a probabilidade de termos algum desvio de comportamento, resultando em depredações é algo quase que certo. Lamentável, repudiável, mas previsível. Nada justifica a depredação de patrimônio público, porém, é claro que, se esses tantos mil quisessem “quebrar tudo”, nada sobraria da Paulista e do centro. Óbvio que estamos tratando de uma minoria.

Inaceitável, mesmo, é a Polícia, com a legitimidade legal do uso da força, com um aparato e treinamento superior, com a prerrogativa de manter a democracia, faça o que fez. E hoje eles fizeram demais.

Por conta da epopéia nas delegacias (uma nos Jardins e outra na Rua da Glória), vi e ouvi muita gente: Imprensa, Manifestantes isolados, gente presa sem saber por qual motivo (saindo do emprego na Paulista…), liderança do movimento, políticos, policiais e defensoria pública. Havia, praticamente, uma unanimidade “calada”: Dessa vez a Polícia exagerou.

Havia uma unanimidade “calada”: dessa vez a Polícia exagerou.

Armamento e contingente para frear uma invasão. Vi muitos Jovens (16 a 22) anos que apanharam bastante. Jovens que variavam entre o conceito firme do “transporte público bom e barato” e “manifestação pela manifestação”. Para mim, independe: Ambos tem de ter assegurados por todos o direito da livre manifestação.
A PM, na delegacia, humilhando os jovens (em especial os com perfil de “periferia”), com procedimentos duvidosos, como por exemplo o fato de vasculharem as mochilas para achar “flagrantes”, sendo que as mochilas já vinham abertas e com pertences trocados. Acharam algumas máscaras, um ou outro baseado e algumas pedras… Embora pertences que poderiam, de fato, estar lá, pelo procedimento duvidoso, não tiveram como levar em frente. A presença de alguns vereadores (3 dos 55), impediu maiores danos. Em outra delegacia, mesmo cenário, porém com jovens com marcas mais severas de agressão física (a moral, nem tem como comentar: “cuzão” e “otário” é tratamento padrão) e alguns absurdos com a tentativa de acusar por “formação de quadrilha” (óbvio que manifestação se faz em conjunto…). A defensoria pública tendo trabalho para dissuadir os “esclarecidos” e pacientes delegados.

São Paulo, 13 de Junho de 2013

São Paulo, 13 de Junho de 2013

Um cenário de pauperização da política. Muitas pessoas reclamando das manifestações pelo fato de que “atrasam” a cidade. Bem, jamais li ou vi alguma manifestação, que tem por definição chamar a atenção para algo, não causar nenhum dano colateral. A cidade de SP perde, no seu dia a dia, a capacidade de se rever.

Contas informais de vereadores, dão conta de que, excetuando os desvios , a tarifa poderia ser 20% mais barata. Seria esse o “custo SP”?.

O vereador Ricardo Young está na Comissão de Transportes da Câmara. Tem pedido há um mês, as planilhas que esclareçam o real gasto/investimento da Prefeitura com as Empresas de transporte. Nada vem. Em um acesso de raiva, chamou as contas de “caixa preta” dos transportes…Contas informais de vereadores, dão conta de que, excetuando os desvios (todos entendem, né?), a tarifa poderia ser 20% mais barata. Seria esse o “custo SP”?

O debate não está fechado nos tais dos 20 centavos (embora, convenhamos: e se fosse? Não se pode reclamar?), mas sim no repetitivo aumento do custo de vida e, nesse caso, do transporte, sem que as contrapartidas de qualidade sejam feitas. O transporte público de SP deve demais ao cidadão.

O pior de tudo são os pontos que emergem da situação:

  1. Ausência total de diálogo. Prefeitura e Estado se negaram a receber o movimento.

  2. Ausência total de transparência nos recursos públicos e, portanto, nos reais motivos do aumento.

  3. Governos incompetentes em lidar com a situação e gerir ela para “expor” aqueles que não querem a manifestação, mas sim a “baderna”.

  4. Péssima cobertura da imprensa que oscilou entre o “senta o pau nos vândalos” e o “a polícia excedeu”, quando os agredidos foram os repórteres. Um vereador cobrou a mídia em sua entrevista na delegacia: “Sejam responsáveis”.

  5. Uma PM despreparada, autoritária mal orientada. Acho que a PM não foi devolvida a sociedade no pós ditadura….Aliás a ONU já cobrou o Brasil por manter a PM na rua. É um dos poucos países que, em período de governo democrático, mantém a força militar na rua. O comum é polícia civil (e essa, no Brasil, é pior…)

O Governador Alckmim não cansa de demonstrar sua incapacidade e sua visão canhestra das coisas. O Prefeito Haddad? Começa mal. Sinaliza com a repressão violenta, mas abdica de responsabilidade quando percebe o resultado…

São Paulo, 13 de Junho de 2013

São Paulo, 13 de Junho de 2013

Cansa bastante. Uma falta de habilidade e coragem. É um movimento de jovens, duvido que um bom diálogo, com boa cobertura de mídia e informações claras, não seria possível outro caminho. Utopia? Era o que faltava: chamarmos de “utopia” uma negociação decente sobre o aumento ou não da tarifa do ônibus…

Dá vergonha.

O pior: ninguém quer retroceder e o Governo federal quer colocar a sua força na rua. Nesse cenário, o que será da próxima manifestação que deve ocorrer na 3ª feira???

Vai mal

Escrevi para poder dormir…

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